Amigo

Amigo

Se você tem esse endereço eletrônico é porque é mais do que bem vindo

Com certeza você me ensinou a escrever

me ensinou a apreciar a boa literatura, a filosoia e a canção

participou de meus primeiros rabiscos

valorizou minha alma vertida em palavras

certamente você esteve presente em momentos importantes

poéticos ou frustrantes, pacificos ou revolucionários

provavelmente já escreveu comigo ou ao meu lado

já leu alguma coisa minha e me pediu mais

ja me incentivou e ja me corrigiu

você já fez sarau, caretas, fofocas e confidencias comigo

e eu já te amei ou ainda te amo

e você sabe que nossa distancia não é nada

e você sabe que odeio computador

e você sabe que nunca publiquei e que não creio que o acesso a internet me faça poeta

você sabe que não tenho um grande valor literário

mas que valorizo a literatura

você sabe que um dia gostei que você me leu

e que quero ler você

você sabe que escrevo por necessidade, porque faz parte de mim

e que me envergonho de ter me distanciado tanto disso

você sabe que não tenho estilo

só paixão

Você sabe que você cabe em cada uma das palavras anteriores

Prazer em recebê-lo.

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Conto



         Chegou em casa no crepúsculo, a luz amarelada batendo nas paredes de tinta carcomida e suja tinha gosto de frustração, lembrou-se de quando queria pintá-la de azul, mas nunca o fez.
         Chamou pelo cachorro, preguiçoso não veio atendê-la, talvez porque soubesse que estava sozinha, mas sua presença malcheirosa estava ali na porta de entrada.
         Abriu a porta vagarosa e logo viu que a mãe passara por ali, tirando a  poeira e organizando as roupas – teve vontade de gritar – mas sorriu docemente em agradecimento aos cuidados maternos,
         A casa parece muito espaçosa agora, joga as bolsas e livros na cama e pensa “Como pode ter tantas cobertas e mesmo assim ser fria quando me deito?”.
Acende um incenso para tirar o cheiro de solidão. Abre as cortinas da cozinha e a janela da biblioteca, mas o crepúsculo acabou e agora uma fria sensação de passado invade a casa.
Ela se lembra do cachorro, abre a porta dos fundos, lá está ele, abanando o rabo e olhando com seus olhos de mel, parece que sente seu vazio e vem acarinha-la. Ela o afaga e canta... De onde surgiu esta canção? “Sou rosa vermelha, ai meu bem querer, beija flor sou sua rosa, sua escrava até morrer ...”. Ela tenta outra, “ Porque eu preciso dizer que te amo, te ganhar ou perder sem engano”, ela pensa “Deus! Porque estas canções?” “ Não posso cantar isso pro cachorro”, “Vamos tentar algo com menos gosto de lembrança, mais animado”: “Que falta eu sinto de um bem, que falta me faz um xodó, mas como eu não tenho ninguém...”
Desistiu. Pegou pá e vassoura e foi limpar a sujeira da frente da porta, teve frio, alimentou o cachorro e depois fechou a porta diante de seus olhos de mel, ávidos por mais carinho, mas ela não podia mais cantar.
A noite agora era pesada, lançou o olhar sobre seu corredor aceso, a luz amarelada parecia uma mentira, foi apagá-la e acendeu a luz branca e muito forte da cozinha. Se sentiu num hospital.
O incenso apagara e deixara um cheiro de queimado amargo no ar.
Percebeu que estava parada no fim do corredor olhando para a cozinha com a luz de hospital por muito tempo, sentiu um gosto de sangue na boca e sua alma partida em dois, mas só conseguiu pensar nisso: “Onde mora a saudade?”
Ficou ali parada por mais um tempo, até sentir que tinha uma dor leve nos tornozelos, olhou lentamente para seus pés, as unhas cor de sangue estavam descascadas e carcomidas como a pintura das paredes lá de fora. As unhas também tinham gosto de frustração... Engoliu em seco para tentar dissipá-lo, em vão, voltou a sentir a leve dor nos tornozelos e notou que poderia ser a temperatura gélida que subia pelas pernas como uma serpente, pelos pés descalços no piso frio acinzentado da cozinha com luz de hospital no fim do corredor. Fez menção de ir até o quarto, mas não queria se deitar agora, não queria estar sozinha, não queria estar sozinha...
Pensando nisso, de repente sentiu-se atravessada por um raio de ódio que partiu sua alma mais uma vez, em segundos abandonou toda sua dignidade, não queria estar sozinha, correu até o telefone celular e abriu o contato dele, não queria estar sozinha, ele a tinha abandonado, era fraco, mas a amava, ela sabia e ela não queria estar sozinha. Mandou uma mensagem: “não quero estar sozinha, vem pra cá”. Esperou. Esperou. Dois minutos e nada. Desesperou-se. Abriu outro contato. Estava apaixonada e esperançosa de que ele também estivesse, se iludia, mas gostava e não queria estar sozinha, ele tinha namorada, mas ela sentia que gostava dela também, e ela não queria estar sozinha. Mandou a mesma mensagem. Esperou. Esperou. Um minuto e meio e nada. Começou a ficar desesperada, a abrir novos contatos, amigos, amigas, gente que sabia que gostava dela, mandou umas vinte mensagens, idênticas, cansou e jogou o telefone longe. Explodiu em lágrimas azedas e quentes.
Percebeu agora que estava agachada e escorrida entre a geladeira e o armário, com a coluna toda encostada no azulejo gelado, a cabeça rodava, o vazio era faminto, a lâmpada de hospital continuava acesa, o silêncio apitava nos ouvidos.
Não sabe quanto tempo ficou ali, com o apito nos ouvidos e o gosto amargo na boca, e as lágrimas azedas no rosto. Até que entendeu: A saudade morava nela. Em seu sangue. Em seu corpo. Queria se livrar dessa saudade. Estendeu a mão em direção ao armário. Pegou a faca de cabo branco. Abriu as veias dos braços pra saudade escorrer pelo chão.

Nunca soube se alguma daquelas mensagens foi respondida ou atendida, embora pouco antes de perder os sentidos tenha desejado que o ex marido, a paixão, os amigos, as amigas, todos, tivessem vindo enxugar suas saudades do chão, desejou que lágrimas azedas rolassem sobre seu corpo refletido de luz de hospital e que abraçassem seu corpo inerte sem se importar com o cheiro de sangue.

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