Amigo

Amigo

Se você tem esse endereço eletrônico é porque é mais do que bem vindo

Com certeza você me ensinou a escrever

me ensinou a apreciar a boa literatura, a filosoia e a canção

participou de meus primeiros rabiscos

valorizou minha alma vertida em palavras

certamente você esteve presente em momentos importantes

poéticos ou frustrantes, pacificos ou revolucionários

provavelmente já escreveu comigo ou ao meu lado

já leu alguma coisa minha e me pediu mais

ja me incentivou e ja me corrigiu

você já fez sarau, caretas, fofocas e confidencias comigo

e eu já te amei ou ainda te amo

e você sabe que nossa distancia não é nada

e você sabe que odeio computador

e você sabe que nunca publiquei e que não creio que o acesso a internet me faça poeta

você sabe que não tenho um grande valor literário

mas que valorizo a literatura

você sabe que um dia gostei que você me leu

e que quero ler você

você sabe que escrevo por necessidade, porque faz parte de mim

e que me envergonho de ter me distanciado tanto disso

você sabe que não tenho estilo

só paixão

Você sabe que você cabe em cada uma das palavras anteriores

Prazer em recebê-lo.

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Conto de fadas para crianças presas em corpos grandes

Era uma vez uma criatura presa numa torre. Não a torre mais alta, nem a mais inacessível, não era uma torre encantada e havia muitas outras ainda por ali, onde a vista alcançava, enfim não era uma torre em especial. Apenas contaremos a história dessa criatura, porque é a única que, sabemos, existia de verdade.
Até onde podemos entender existência e verdade.
Mas então, a criatura um dia acordou, coberta com seus edredons macios e cheirando amaciante, num quarto de no máximo seis metros quadrados, bem arrumado, limpo e confortável. Um quarto que tinha um custo, uma história, um dono e uma porta destrancada.
Quando acordou a criatura se viu angustiada e tolhida, bem no seu amago se sentiu perdida, sozinha e trancafiada a uma realidade que não lhe agradava. Assim a criatura passou a tentar escapar daquele cubículo.


Capitulo 1 O Celular
Primeiro ligou seu aparelho celular, nele encontrou muitos números, alguns rostos, algumas fotos de paisagens que não conhecia. Muita gente sorrindo, bebendo e comendo.
Ela tentou se lembrar se conhecia alguma daquelas figuras pessoalmente, mas não se lembrava de ninguém com sorrisos tão abertos. Não se recordava de ninguém que lhe tivesse mostrado paisagens tão bonitas. Não se recordava de ninguém que amasse, se divertisse e fosse tão bem sucedido como aquelas pessoas nas fotos.
Então ela começou a pedir ajuda a eles.
Perguntou a todos que podia, se alguém teria um tempo para vir tirá-la daquela torre tão alta e tão solitária. Muitos reclamaram da falta de tempo, pois estavam ainda trabalhando, não obstante ser sábado. Outros disseram não terem dinheiro para gastar em bebidas por aí, apesar de que nossa criatura não tinha pedido exatamente que a levassem para algum lugar, apenas que a tirassem de onde estava; ela tinha quase certeza que eram coisas diferentes, mas nenhuma das bonitas fotos no celular parecia ter muito cérebro para entender essa diferença e isso chegou até a confundir a criatura. E outros ainda disseram que estavam também presas ou amaldiçoadas esperando igualmente um herói ou heroína que os viesse salvar.
Houve ainda um duende que se ofereceu para ir até sua torre e devorá-la acabando assim com seu sofrimento. Mas a criatura sabia que seria um alívio momentâneo e que depois ela estaria presa na barriga do duende, ainda sozinha e provavelmente sem celular. Assim dispensou a pequena ajuda.

Creio que agora é o momento de explicar o que é um duende: o duende é uma outra criatura dessa terra onde há muitas torres, não se sabe ao certo se eles possuem cérebro, magia ou força, pois nunca ninguém se aproximou muito para saber. Duendes são criaturas bastante resguardadas e misteriosas apesar do que dizem as más línguas sobre o comportamento deles nas sextas feiras ao anoitecer.
A criatura central dessa história, no entanto, não é um duende, disso sabemos, mas não podemos afirmar o que seria. Mas não me culpem! Não sou apenas eu que não sei, saibam que a própria criatura não tem muita certeza de quem ela é, nem como se parece.
É estranho, mas, a criatura por vezes mira-se no espelho e vê cabelos cumpridos e cacheados, uma pele lisa e alva e uma alma; as vezes vê uma couraça acinzentada protegida por quilos de gordura e chifres, as vezes vê rugas e cabelos da cor da neve e um sorriso doce, as vezes vê um coração escuro e muitas lágrimas...
Entendam, portanto, minha dificuldade em apresentá-la de maneira mais precisa e tomados de empatia, assim espero! Prossigam a leitura sem recriminações, mas com a liberdade de criar a criatura que melhor lhes aprouver. Combinado?
Só, por gentileza, atendam ao pedido da criatura e não a imaginem como um duende. Ela afirma que não o é. 


Capitulo 2 A TV
Como todas aquelas criaturas maravilhosas e bem sucedidas encontradas no aparelho celular na verdade estavam submersas em suas próprias vidas e não podiam ajudar a criatura, ela decidiu usar outro instrumento mágico.
Uma caixa que contava histórias, historias bonitas, “reais”, tristes, tragédias cotidianas, tragédias ficcionais. Ela tinha esperança de que aquelas historias a salvariam da angústia e do tédio que se aplacava cada vez mais paralisante sobre seu corpo e que assim, talvez, ela pudesse escapar de sua torre.
Realmente por algumas horas a criatura chorou, sorriu e temeu por aqueles belos personagens, mas passado esse maravilhoso efeito inicial, a criatura, que, podemos afirmar não era tão estúpida, passou a compreender que aquilo tudo era tão fantasioso que chegava a ser impossível. Que ela, a criatura, não sendo bela, esbelta, esgrimista e não tendo um príncipe encantado que a resgatasse, jamais poderia viver aquelas aventuras e aqueles finais felizes.
Assim, decepcionada e chorosa, nossa criatura desligou a televisão


Capitulo 3 A Porta Destrancada E O Dragão Triste.
Não sabendo mais o que fazer, tendo molhado seus edredons e travesseiros com lágrimas e estando à beira do desespero: decidiu pôr fim a sua própria vida.
Levantou-se, abriu a porta e buscou um pouco de veneno na cozinha.
Não esperava ela, que ao caminhar de volta para seu quarto, encontrasse um dragão.
A enorme figura soltava incansavelmente uma fumaça tóxica por todos os seus orifícios, emanava também um cheiro inebriante ácido e urrava.
Seus urros eram tão altos que faziam a cabeça da nossa criatura rodar, a fumaça a fazia tossir a plenos pulmões e o cheiro asfixiava a tal ponto que ela quase veio a falecer.
Estando assim tão perto da morte certa a criatura largou o veneno pensando que, se sobrevivesse aquele encontro tentaria valorizar mais sua própria vida, mesmo que enfadonha e angustiante. Enquanto se perdia nestes pensamentos o dragão se aproximava. Mas quando chegou bem perto a criatura pôde ver que os urros, na verdade eram soluços de tristeza. O dragão chorava, chorava tanto que soluçava e ofegava como uma criança perdida de seus pais no meio do caos.
O dragão era quase a coisa mais triste que a criatura já tinha visto. Quase, porque além de sozinha e angustiada, nossa criatura também é egocêntrica e, ao se comparar com o dragão, teve o disparate de se sentir ainda menos afortunada.
De qualquer maneira, sua tristeza transbordou em seus olhos, e o dragão, reconhecendo outra criatura amargurada, voltou a se enrolar em posição fetal perto da janela deixando nossa criatura voltar livremente para seu quarto.



Capitulo 4 A Janela E As Outras Criaturas
De volta ao seu cubículo, sem veneno, sem heróis do celular e sem histórias da televisão que a ajudassem a escapar, a criatura se jogou na cama e por algumas horas o dragão triste e ela disputaram o tamanho de suas infelicidades tornando a vizinhança surda com a orquestra de choro compulsivo que se seguiu.
Quando suas lágrimas finalmente secaram e sua cabeça já estava a ponto de explodir de tanto chorar, a criatura percebeu uma luz. Um tímido raio de sol que atravessava as frestas de sua janela.
Uma janela! Rapidamente a criatura abriu a janela.
Primeiro pensou nos filmes que tinha visto na televisão e imaginou uma fuga agarrada pelas laterais da torre, descendo como uma verdadeira espiã pelos blocos, mas quando ela pegou um banquinho para ajudar a subir no parapeito, tropeçou, caiu na cama e percebeu que essa ideia era uma grande tentativa de suicídio.
Apoiou-se então na janela e observando as nuvens achou que seria poético lançar-se dali de cima, de braços abertos, rumo ao desconhecido. Imaginou que, assim, heróis cantariam por séculos e séculos a bonita morte da criatura da torre, louvando seu nome e sua beleza pela eternidade.
Ao olhar em torno, infelizmente, a criatura se decepcionou também com essa possibilidade. Absolutamente ninguém olhava para ela e ela voaria sem ser vista, espatifaria no chão como uma panqueca e fim, sem ser feliz pra sempre, nem de verdade nem nas canções.
Outras criaturas iam e vinham, apressadas, brincantes, estressadas, em seus veículos sozinhas ou amassadas em grandes latas velozes, ninguém sequer olhava pra sua torre, nem sequer sabia de sua existência, ninguém nem imaginava que talvez, naquela torre, dentre tantas torres, houvesse uma criatura angustiada pronta para se lançar no vazio.
Então nossa criatura começou a observar o comportamento das outras criaturas, no chão, nos veículos, nas latas velozes, na torre bem a sua frente. Ela olhou o horizonte, as casas, as torres, os veículos, as árvores e tudo lhe pareceu tão irreal, tão inconsistente, que sua visão até embaçava. A paisagem tremia como uma miragem. Nossa criatura se perguntou o que era real? O que era verdade? O que não era nem real e nem verdadeiro?
E estes pensamentos a levaram a observar o que as criaturas da torre imediatamente a sua frente estavam fazendo. Um homem segurava um bebê. Uma mulher passava roupas. Uma criança importunava seu cachorrinho peludo. Um velho olhava a rua. O que aquelas criaturas estavam sentindo? O que estavam pensando? Será que eram felizes? Angustiadas? Será que tinham medos? Desejos? Problemas insolúveis? Segredos?
E nas torres em que a criatura não podia enxergar as janelas, aquelas lá no horizonte, ali dentro daquelas torres de concreto existiam também criaturas? Criaturas e seus bebês? Criaturas e suas roupas? Criaturas e seus anos envergando suas colunas?
E nos carros? Nos ônibus de lata de sardinhas? Aquelas criaturas passando velozes fugiam de quê? Desejam ir para onde? Buscavam incessantemente exatamente o quê?
Será que em alguma torre ao longe, alguma esquina, ou alguma janela outra criatura como ela olhava em sua direção sem a enxergar?




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