Amigo

Amigo

Se você tem esse endereço eletrônico é porque é mais do que bem vindo

Com certeza você me ensinou a escrever

me ensinou a apreciar a boa literatura, a filosoia e a canção

participou de meus primeiros rabiscos

valorizou minha alma vertida em palavras

certamente você esteve presente em momentos importantes

poéticos ou frustrantes, pacificos ou revolucionários

provavelmente já escreveu comigo ou ao meu lado

já leu alguma coisa minha e me pediu mais

ja me incentivou e ja me corrigiu

você já fez sarau, caretas, fofocas e confidencias comigo

e eu já te amei ou ainda te amo

e você sabe que nossa distancia não é nada

e você sabe que odeio computador

e você sabe que nunca publiquei e que não creio que o acesso a internet me faça poeta

você sabe que não tenho um grande valor literário

mas que valorizo a literatura

você sabe que um dia gostei que você me leu

e que quero ler você

você sabe que escrevo por necessidade, porque faz parte de mim

e que me envergonho de ter me distanciado tanto disso

você sabe que não tenho estilo

só paixão

Você sabe que você cabe em cada uma das palavras anteriores

Prazer em recebê-lo.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Sou professora

Aos seis anos queria ser super-heroína
Queria salvar o mundo, os animais,
Queria ser importante e fazer justiça.
Aos oito anos queria ser uma feiticeira
Porque já tinha aprendido
Que as coisas no mundo não mudam facilmente
Aos dez decidi ser atriz
Pois poderia viver no mundo que eu quisesse
E fazer o papel de heroínas e feiticeiras
Aos doze me tornei professora
Pois meu irmão mais novo tinha sede de conhecimento
Hoje ainda sou professora
Salvo um mundo por vez
Corrijo pequenas injustiças
Sou importante a cada semana
Quando percebo que eles estão comigo
Na minha aula
Ao invés de estarem na rua, nas drogas, perdidos
Sou importante por cinquenta minutos a cada semana
Transformo o mundo, um pequeno mundo por vez.
Quando os olhos brilham, as opiniões aparecem,
Quando as mentes se abrem, me vejo construindo o futuro.
O futuro da sociedade
O futuro de cada um destes jovens
E o meu próprio futuro
Eles também me modificam
Me constroem e reconstroem
Me refletem, me invertem
Me salvam...
Sou heroína, feiticeira, atriz
Sou professora!


Meu pequeno aluno

Nasceu na periferia
Foi deixado na creche desde os dois anos
A mãe tem dois empregos
Quatro filhos de dois casamentos
E uma relação casual
Uma coleção de frustrações
Meia dúzia de moedas pra condução
E nenhuma paciência com crianças
O pai nunca existiu
Não tem nome, não tem rosto
Apanha dos irmãos mais velhos
Bate no irmão mais novo
Na escola, quarenta alunos,
Numa sala de poucos metros quadrados
O professor grita, expulsa, adverte
Seus pequenos olhos frustrados não acompanham o discurso do mestre
Tem vontade, fica atento até, mas se perde nas primeiras palavras difíceis
Nas primeiras contas
 E desiste...
Em casa vê televisão
Gritos em alto volume no jornal sensacionalista
Bem na hora do almoço
Mas não faz diferença
O almoço deve ser requentado
Ninguém vai se sentar a mesa
A mãe não veio almoçar em casa
Os irmãos já saíram
Um deles ninguém sabe onde está
O garoto só reza
Pra que nenhum marmanjo
Apareça como se fosse dono da casa
Serrar o feijão ralo da cozinha
E estender os pés no sofá
Perguntando sobre a vadia da sua mãe.
Desliga a tv
Vai tentar estudar, tem sono,
A noite a pancadaria
Na casa dos vizinhos
A policia
A mãe chorando alto
Impediram seu descanso
O garoto não consegue se concentrar
Sai de casa
Encontra uns colegas,
Um skate, um baseado, um rap...
Quem olha atentamente pode ver
Os olhos claros de uma criança
Ainda precisando dos pais e da família que nunca teve
Num corpo desajeitado
De jovem, com mãos e pernas inábeis
Pode sentir a força de um anjo com o desejo ardente de crescer
Mudar, se afastar
Da dor, da solidão
Ser mais, ser diferente
Mas quem tem tempo para pegá-lo pela mão?
O mundo apenas grita
Vagabundo, atrasado, burro!
Está ocupando o lugar de aluno melhor!
Qual será o fim dessa historia
Iniciada sem consentimento dessa alma?
Nossa juventude nasce em solo lodoso, inóspito,
Cresce na selva
Morre antes de amadurecer,
Ou amadurece pra apodrecer como seus pais e professores
Como eles podem semear nosso futuro
Se o deles é um grande desafio?
Uma grande dúvida?

Um enorme talvez?
Branco velho

Um ser marcado pelo tempo
Curvado pelo peso do trabalho
De olhos claros e víividos
Com a alma alimentada
Pelo sorriso das crianças
Carregando pedaços de sonhos
Azuis e cor de rosa
Chegando num trem barulhento
Lento azul e velho
Cheirando a saudades
A personificação de um interior paulista
Repleto de aconchegos, sinos de igreja
Praças principais e coretos e trens
Trens de ferro, trens de fumaça
Trens de passado
Não parece que vivemos no mesmo instante
Nem que nos movimentamos
Na velocidade real
Aquele senhor,
Tenho quase certeza,
Caminhava em câmera lenta
E estava pintado de preto e branco
Só com suas nuvens de algodão doce
Colorindo o céu cinza.

(para o senhor que vende algodão doce no trem de Jundiai – São Paulo)